A Escolha de um Instrumento Musical

Não sei dizer desde quando, ao saberem que eu trabalho com música, pessoas, as mais diversas, perguntam qual o instrumento que eu indicaria para elas, para seus filhos, ou para seus alunos estudarem.

Há constantemente o interesse em se estudar um instrumento musical, seja por paixão antiga, por nostalgia porque os pais ou avós tocaram algum, por tradição local, por se pretender cultivar um “hobby” ou adquirir conhecimentos gerais, e até mesmo por curiosidade. 

O fato é que a maior parte dos que iniciam o estudo de um instrumento surpreendem-se ao perceber que, diferente do ditado popular “levar a vida na flauta” como sinônimo de facilidade, tal atividade, apesar de poder ser muito agradável, “não é bolinho, não”, cuja constatação não raramente leva ao abandono da escolha, o que normalmente ocorre entre seis meses e dois anos.

Trocando em miúdos: aqueles que entendem e aceitam que tudo na vida, tudo mesmo (!), para ser bem feito e para se poder colher bons resultados, é necessário esforço, bons mestres ou modelos, tempo de dedicação e, ainda, concentração, constância e desejo de (auto) superação, estes conseguirão assim ser estimulados pelo próprio gosto do estudo diário, pelo progresso constante, pelo resultado sonoro e artístico final, e seguirão adiante com satisfação. Aos que esperam milagre, pensando que o instrumento pode tocar por si, desde que se pegue nele pouquinhas horas uma ou duas vezes por semana ou por mês1, só resta a desistência frustrada, ou a alegação de que o problema é o professor, o método, o instrumento, o ambiente etc. etc. etc. É claro que a perseverança e o progresso no estudo depende de tudo isso, mas principalmente do QUERER e do ASSUMIR, e o restante que não se adequa vai se ajeitando com a consciência dos problemas e através da busca de soluções. De qualquer modo, seja qual for o resultado deste investimento, sempre acho que esta experiência é única e deve ser uma vez tornada realidade, pois muito dela se aproveita, nem que seja ao menos o valor que se passa a dar àquele que toca um instrumento muito bem.

Sobre o quadro até aqui exposto vale ainda esclarecer que há uma grande diferença entre os que iniciam o estudo de um instrumento como uma simples forma de entretenimento, daqueles com vistas a uma futura profissão músico-instrumental. No segundo caso, todas as condições devem ser maximizadas: melhor professor ou escola, melhor instrumento, maior dedicação, maior necessidade de conhecimento e “métier” (saber fazer da melhor forma), maior tempo de aprendizado etc.

Bem, depois de mostrar que se envolver com um instrumento musical é como cultivar um relacionamento humano, ou seja, não basta estar por perto e proto. Há que se envolver, que dar atenção e carinho, ter paciência, zelo e principalmente prazer. Entendido isto, vamos seguir com uma segunda questão fundamental: por qual instrumento decidir entre os milhares que ainda existem no planeta. 

Para tanto, é fundamental que se saiba responder algumas perguntas básicas:

  1. Que tipo de música você pretende tocar: clássica (sinônimo de erudita), popular, folclórica, e de qual(is) países? 

Caso você adore tango argentino, por exemplo, o bandoneon é uma ótima opção, mas pouquíssimos serão os estilos ou gêneros musicais que este instrumento irá corresponder dada a sua estreita relação com a música tradicional daquele país. Aliás, fique sabendo, é um instrumento muito difícil de se tocar! O mesmo pode ser compreendido em relação a instrumentos como balalaika (Rússia), berimbau (Brasil), cimbalom (Hungria), cuíca (Brasil), flautas peruanas, gaita de fole (Escócia), guitarra portuguesa, harpa paraguaia, sitar (Índia), kântele (Finlândia) etc.

No caso de preferir a música popular, o oboé, o fagote e a trompa, por exemplo, não são boas opções, pois raramente se enquadram nesse gênero. Por outro lado, preferindo a música de clássica, não há por que estudar guitarra elétrica, cavaquinho ou saxofone.

E ainda dentro deste tópico, ao preferir estudar um instrumento para tocar música clássica, não poderá abrir mão da escrita musical, ou seja, da leitura de partituras. Contudo, saiba que o tango argentino, assim como o jazz muitas vezes, entre outros gêneros não considerados clássicos, são também tocados por partitura.

  1. Você pretende tocar futuramente sozinho ou em grupo?

No caso de preferir a intimidade de sua solidão, procure os instrumentos considerados solistas, normalmente os chamados instrumentos harmônicos (capazes de tocar acordes), como é o caso do piano, órgão, teclado, violão, acordeão.

Preferindo acompanhar sozinho um cantor (mesmo sendo este você próprio ou formando um Duo com alguém), também dê preferência aos instrumentos harmônicos.

  1. Você prefere os instrumentos “da moda” ou normalmente procura fugir dos seus ditames? Valoriza a tradição ou o exótico?

No primeiro caso, ligue a TV, ou ouça o rádio, ou acesse o canal do Youtube ou similares, e escolha ali o seu futuro companheiro: teclado, guitarra e baixo elétricos, ou bateria2. Há ainda em menor proporção o saxofone (vulgo sax), e os “velhos” piano e violão (não sei como estes conseguiram sobreviver!). Neste caso, não haverá problema, quase toda a escola de música aberta nas últimas décadas no Brasil oferecem tais cursos, normalmente procurados pelos adolescentes e jovens, claro!

Se preferir a tradição do mundo ocidental, vá para o piano, violão, violino, violoncelo, flauta ou clarinete, ou ainda mais para o passado: flauta doce, cravo, alaúde, viola da gamba etc.

O exotismo poderia estar relacionado àqueles instrumentos de tradição dos países exemplificados acima, ou mesmo a tradições regionais, como o acordeão, a rabeca, o bandolim, o pífaro, a gaita, e mesmo à infinita família dos instrumentos de percussão. Também poderia incluir os instrumentos bem desconhecidos nossos como os da África, Oriente Médio e Extremo Oriente.

  1. Você é um sujeito paciente, ou gosta de resultados rápidos? 

Para o primeiro caso pense no violino, violoncelo, piano, órgão, harpa, que necessitam de maior investimento inicial para se poder tocar músicas que não sejam muito simples e curtas. Caso seja do tipo imediatista, busque os instrumentos de sopro ou os “da moda” citados acima. No entanto, não se esqueça que tudo tem o seu preço (!!!): os primeiros são mais demorados no início, mas depois “vão meio no automático”, e os segundos dão resultados mais rápidos, mas custam muito para serem aprimorados. Como conclusão final, entendamos o seguinte: qualquer instrumento para ser tocado muito bem, é considerado difícil. 

  1. O valor disponível para a compra do instrumento é muito limitado ou pode ser um pouco mais generoso?

Caso a importância que você dispõe seja pequena, compre os instrumentos menos onerosos, como flauta, clarinete, trompete (pistão), violão, cavaquinho, teclado, bateria etc. Pode-se sim recorrer aos de segunda mão, pois se foram bem cuidados, poderão servir plenamente às suas necessidades. Aliás, um instrumento usado, quando de altíssima qualidade e originalidade, sendo inclusive considerado como de valor histórico, pode chegar a custar milhares de dólares. 

  1. Para você que pretende ser um instrumentista profissional, interessa o mercado de trabalho brasileiro?

Então fuja, por favor, do piano, violão, e dos instrumentos que caracterizam a “base” (vide acima), pois a concorrência é enorme.

Bem, creio que aí está exposto quão meticulosa pode ser a escolha de um instrumento musical, em quantos aspectos esta questão pode ser considerada. No entanto, ela passa a não ter qualquer valor caso a sua paixão seja única, pois ela valerá mais que tudo isso que foi explicado; vá em frente!

No caso das crianças, suas escolhas são feitas especialmente segundo o critério afetivo-emocional e pela familiaridade, logo, para não decidirem pelo óbvio (o instrumento que o irmão ou amiguinho estuda, ou o que vê cotidianamente nas mídias em geral), preocupe-se em apresentar-lhe outras opções sistematicamente.

Para concluir quero alertá-lo para algo que acredito ser primordial em tudo isto: o professor. Jovem ou idoso, moderno ou antiquado, bonito ou feio, caro ou não, ele pode ser capaz de fazer você detestar um instrumento que adora, e vice-versa, fazer você ser vidrado em um até então desconhecido e considerado estranho. Ele pode dedicar-se e incentivá-lo tanto a ponto de vencer as maiores dificuldades com facilidade e, ao contrário, não ajudá-lo a compreender as coisas mais elementares. Pode enriquecer e aprofundar toda e qualquer informação que lhe dê, como banalizar as informações mais preciosas do aprendizado. Pode ser um grande companheiro nos bons e maus momentos, como nunca assumi-lo sequer como um ser que merece respeito. Caso tenha tido um desses professores que valem ouro, sinta-se privilegiado e atenda a esse parâmetro para escolher aquele que irá iniciá-lo em um instrumento musical. Caso contrário… tente compensar esta experiência através da determinação: procure-o em todos os cantos da terra, não meça esforços, valorize muito aqueles bons que por ventura surjam em seu caminho e, quando enfim conseguir ter um como Mestre, declare o seu amor.

Silvia de Lucca 

 

P.S.: Caso deseje uma orientação pessoal, não se acanhe, escreva-me a respeito. Prometo que tentarei colaborar nessa preciosa escolha.

FONTE: Esse artigo foi adaptado do original escrito em fevereiro de 2005 para a Coluna ISCAS MUSICAIS, do site www.lucianopires.com.br, tornando-se posteriormente o seguinte Portal: www.portalcafebrasil.com.br

  1. 1 – É importante levar em conta que o estudo de um instrumento, até mais do que uma atividade esportiva, envolve sensação, raciocínio e emoção, mas também a parte fisiológica (coração, pulmão, nervos, músculos etc.), logo, necessita de constância e regularidade para haver desenvolvimento, ou seja, vale mais estudar seis horas diluídas durante a semana, do que todas em um ou dois dias da semana.

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  2. 2 – Em uma pesquisa que fiz no começo dos anos 2000, constatei que os quatro instrumentos que mais estão presentes na amostra colhida nas rádios paulistanas (baixo, bateria, teclados e guitarra), formam o conjunto cuja nomenclatura usual é “base”, o que parece estar devidamente justificado pela alta porcentagem de aparição. É importante ressaltar sobre isso que, à exceção da bateria, todos eles são elétricos. Outro aspecto a se considerar é o fato de que dos 13 instrumentos da lista dos mais apresentados nas rádios, somente seis pertencem com mais intensidade à tradição brasileira, e não ocupam as primeiras posições, estando dois deles inclusive, nas últimas posições: a própria voz (“back vocal”, aqui considerada como um instrumento), percussão, violão, piano, flauta transversal e cavaco. E ainda dentro desse enfoque, podemos apontar que um instrumento tão tradicional e popular no Brasil como o violão, está presente nas rádios pesquisadas praticamente três vezes menos do que a guitarra elétrica; e um paralelo deste aspecto poderia ainda ser traçado entre o piano e o teclado. ↩︎